Secretaria
Municipal de Educação e Cultura
Proposta de
Formação: Abertura do Ano Letivo/2014
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Família e Escola:
trajetórias que se aproximam
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Objetivo
Ampliar
a visão de professores e professoras da Educação Básica sobre as novas
configurações familiares atuais, na tentativa de refletir sobre algumas das
várias possibilidades relacionais que os seres humanos (homens e mulheres),são
capazes de firmar, e suas implicações com os processos educativos formais.
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Justificativa
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Configurações familiares atuais e implicações nos
processos educativos
Evanilson Alves de Sá[1]
Evanilson_sa@hotmail.com
[...]
Quando eu te vi encarei frete a frente não vi o meu rosto
Chamei
de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É
que Narciso acha feio o que não é espelho
E
à mente apavora o que ainda não é mesmo velho [...]
(Sampa,
Caetano Velozo).
Tendo-se em vista a complexidade do tema,tratar das configurações
familiares nos dias de hoje apresenta-se como um grande desafio. Muito se fala
que a família está acabando, mas o que está acontecendo é uma profunda mudança
no seu perfil. Embora o conceito atual de família seja muito diferente do que
se tinha em tempos passados, ainda continua sendo a família o centro com que as
pessoas se identificam e com quem aprendem sobre a vida. Família e casamento
tiveram sua função social transformada especialmente ao longo do século XX: já
não se espera dessas relações somente o cuidar e manter a prole. A versão
idealizada de núcleo familiar estável e voltado para si fica ultrapassada.
Surgem novas possibilidades de famílias, constituídas por grupos que habitam o
mesmo espaço físico ou que, pelo menos, mantêm certa proximidade. Esses novos
arranjos estão longe de ser instituições fechadas, apresentando-se sempre em
evolução e transformação. Reconhecer essas e tantas outras formas relacionais
que ainda virão é simplesmente aceitar o outro na sua integralidade,
palavra-chave para uma sociedade democrática. “A verdade não é um dado, mas uma
construção cultural (ALVES, 2005, p. 13)”. O preconceito contra famílias mononucleares, binuclear, reconstituídas ou
homoafetivas, sucumbiu há décadas passadas, e o desafio atual é a busca
pela harmonia, sem modelos certos ou errados. Contudo,
inferiorizar o diferente, implica, sobretudo, na falta do reconhecimento pleno de sua
humanidade.
Boaventura
de Souza Santos (2006, p.462), ao tratar sobre a possibilidade de afirmação de
direitos identitários ou do direito à diferença, destaca o seguinte: “[...]
temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza; temos
direitos a ser diferente quando a igualdade nos descaracteriza”. É neste
sentido que propõe a substituição das grandes narrativas por microdiscursos
capazes de levar à liberdade autêntica.
O Professor Flávio
Brayner (2008) identifica que nas décadas mais recentes o que chama a atenção
no debate sobre educação é unidade que perpassa os distintos grupos e classes
sobre a necessidade de aumentar e melhorar os índices de escolaridade da população
para que sejam diminuídas as desigualdades entre nós. Destaca que mesmo a
educação sendo insuficiente para diminuir as desigualdades sociais ela se
tornou uma poderosa ferramenta para o seu combate.
Corroborando com o autor retrocitado, Paulo
Freire (1995) ao definir o que considera educar para a transformação assevera
não ser possível refazer um país,
democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de
matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação
sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda[2].Não
devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas,
ameaças, repreensões e punições. Mas para participar coletivamente da
construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que
leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta,
possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história. A
tradição brasileira, profundamente autoritária, coloca sempre o formando como
objeto sob a orientação do formador, que funciona como o sujeito que sabe. É
preciso deixar de ser assim. Conhecimento não se transfere, conhecimento se
constrói.
A escola republicana e
democrática, espaço aberta a todos, conforme preleciona o Professor Flávio
Brayner (2008), assume o desafio de restituir a dívida política. Saldar a
dívida política com aqueles e aquelas que nas suas trajetórias humanas foram
excluídos/as do acesso aos direitos humanos fundamentais, dentre os quais
destacamos o direito a educação, compreende fornecer competências mínimas aos
indivíduos para que possam vir a se interessar e a participar das decisões
públicas. Igualmente, não se limita a ensinar a ler, a escrever e a contar,
impregna os sujeitos do processo educativo de competências para argumentar,
interrogar, julgar e decidir alicerçados nos princípios da justiça e da
verdade.
Assim define a educação
como “[...] processo de formação humana que permite o acesso a saberes, à
capacidade de pensar, argumentar e julgar e de poder fazer escolhas que
propiciem uma inserção consciente nos processos sociais e políticos, e a
participação na esfera pública (BRAYNER, 2008, p. 15).
Segundo João Francisco de Souza (2009) a escola tornou-se instituição
pública, gratuita e obrigatória para todos os sujeitos de 6 a 13 anos na França
em 1882.Neste
contexto, “a escola, enquanto sistema
público de ensino é, portanto, uma instituição recente na história da
humanidade ocidental. Sua regulamentação, na França, se dá a partir de 1882, e
é inventada na Prússia em 1871 (p.42)”.
Sendo assim, uma invenção dos setores médios urbanos que, na Alemanha,
estavam ficando sem trabalho em face da centralização burocratizada do Estado
Alemão, da vitória do modelo industrial de produção e da modernização do
conjunto societal. “[...] inventam-se a escola e a regulamentação das
profissões. Foi à salvação dos setores médios urbanos. Para esses segmentos
sociais [...] a escola tem sido uma das instituições mais exitosas do mundo” (SOUZA,
2009, p, 43).
Fundado nessas premissas é que o autor afirma que na história da
humanidade a escola tem um caráter intermitente, ao passo que a educação tem
caráter permanente. Em analogia, podemos afirmar que na historia da humanidade
a família também tem caráter permanente, contudo sem querer adentrar nas suas
diversas configurações considerando os seus contornos jurídicos ou
socioculturais.
O exporto, consolida-nos o esforço para responder a questão inicialmente
posta: Família e Escola: trajetórias que se aproximam.
Contudo, sem querer esgotar a discussão, colocamo-nos favorável ao argumento de
que o papel da família e da escola são complementares, portanto não se confundem.
Sendo assim, entendemos por família pessoas próximas com as quais se
mantém laços de afetos recíprocos.
Diante das configurações de famílias atuais, e tantas outras que ainda
estão por vir, a escola precisa destravar suas práticas fundadas no modelo de
família tradicional, abrir suas portas para entender seu presente, pois o mundo
fechado não abraça as diversidades. Abraçar as diversidades implica quebrar o
vazio moral que acha feio tudo o que não é espelho.
Referências
ALVES,
Augusto Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. SP: Perspectiva,
2005.
CASTRO, Maria Cristina d’Avila de. Publicado
na Revista nº 2 – 2010, da Ecola de Pais – Seccional de Biguaçu - SC.
SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática dos tempos.
RJ: Cortez, 2011.
SOUZA, João Francisco de Souza. E a educação popular: ¿¿ que ??.Recife:
Bagoço, 2009.
BRAYNER, Flávio.
Educação e republicanismo - experimentos arendtianos para uma educação melhor.
Brasília: Liber, 2008.
[1]
Advogado (OAB-PE 18411), Pedagogo e Mestre em Educação – UFPE.