segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Formação Continuada com Educadores da Rede Pública Municipal





Secretaria Municipal de Educação e Cultura


Proposta de Formação: Abertura do Ano Letivo/2014


Família e Escola: trajetórias que se aproximam


Objetivo
Ampliar a visão de professores e professoras da Educação Básica sobre as novas configurações familiares atuais, na tentativa de refletir sobre algumas das várias possibilidades relacionais que os seres humanos (homens e mulheres),são capazes de firmar, e suas implicações com os processos educativos formais.


Justificativa

Configurações familiares atuais e implicações nos processos educativos

Evanilson Alves de Sá[1]

Evanilson_sa@hotmail.com


[...] Quando eu te vi encarei frete a frente não vi o meu rosto

Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

É que Narciso acha feio o que não é espelho

E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho [...]

(Sampa, Caetano Velozo).

Tendo-se em vista a complexidade do tema,tratar das configurações familiares nos dias de hoje apresenta-se como um grande desafio. Muito se fala que a família está acabando, mas o que está acontecendo é uma profunda mudança no seu perfil. Embora o conceito atual de família seja muito diferente do que se tinha em tempos passados, ainda continua sendo a família o centro com que as pessoas se identificam e com quem aprendem sobre a vida. Família e casamento tiveram sua função social transformada especialmente ao longo do século XX: já não se espera dessas relações somente o cuidar e manter a prole. A versão idealizada de núcleo familiar estável e voltado para si fica ultrapassada. Surgem novas possibilidades de famílias, constituídas por grupos que habitam o mesmo espaço físico ou que, pelo menos, mantêm certa proximidade. Esses novos arranjos estão longe de ser instituições fechadas, apresentando-se sempre em evolução e transformação. Reconhecer essas e tantas outras formas relacionais que ainda virão é simplesmente aceitar o outro na sua integralidade, palavra-chave para uma sociedade democrática. “A verdade não é um dado, mas uma construção cultural (ALVES, 2005, p. 13)”. O preconceito contra famílias mononucleares, binuclear, reconstituídas ou homoafetivas, sucumbiu há décadas passadas, e o desafio atual é a busca pela harmonia, sem modelos certos ou errados. Contudo, inferiorizar o diferente, implica, sobretudo, na falta do reconhecimento pleno de sua humanidade.

Boaventura de Souza Santos (2006, p.462), ao tratar sobre a possibilidade de afirmação de direitos identitários ou do direito à diferença, destaca o seguinte: “[...] temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza; temos direitos a ser diferente quando a igualdade nos descaracteriza”. É neste sentido que propõe a substituição das grandes narrativas por microdiscursos capazes de levar à liberdade autêntica.   

O Professor Flávio Brayner (2008) identifica que nas décadas mais recentes o que chama a atenção no debate sobre educação é unidade que perpassa os distintos grupos e classes sobre a necessidade de aumentar e melhorar os índices de escolaridade da população para que sejam diminuídas as desigualdades entre nós. Destaca que mesmo a educação sendo insuficiente para diminuir as desigualdades sociais ela se tornou uma poderosa ferramenta para o seu combate.

Corroborando com o autor retrocitado, Paulo Freire (1995) ao definir o que considera educar para a transformação assevera não ser possível refazer um país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda[2].Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições. Mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história. A tradição brasileira, profundamente autoritária, coloca sempre o formando como objeto sob a orientação do formador, que funciona como o sujeito que sabe. É preciso deixar de ser assim. Conhecimento não se transfere, conhecimento se constrói.

A escola republicana e democrática, espaço aberta a todos, conforme preleciona o Professor Flávio Brayner (2008), assume o desafio de restituir a dívida política. Saldar a dívida política com aqueles e aquelas que nas suas trajetórias humanas foram excluídos/as do acesso aos direitos humanos fundamentais, dentre os quais destacamos o direito a educação, compreende fornecer competências mínimas aos indivíduos para que possam vir a se interessar e a participar das decisões públicas. Igualmente, não se limita a ensinar a ler, a escrever e a contar, impregna os sujeitos do processo educativo de competências para argumentar, interrogar, julgar e decidir alicerçados nos princípios da justiça e da verdade. 

Assim define a educação como “[...] processo de formação humana que permite o acesso a saberes, à capacidade de pensar, argumentar e julgar e de poder fazer escolhas que propiciem uma inserção consciente nos processos sociais e políticos, e a participação na esfera pública (BRAYNER, 2008, p. 15).  

Segundo João Francisco de Souza (2009) a escola tornou-se instituição pública, gratuita e obrigatória para todos os sujeitos de 6 a 13 anos na França em 1882.Neste contexto, “a escola, enquanto sistema público de ensino é, portanto, uma instituição recente na história da humanidade ocidental. Sua regulamentação, na França, se dá a partir de 1882, e é inventada na Prússia em 1871 (p.42)”.

Sendo assim, uma invenção dos setores médios urbanos que, na Alemanha, estavam ficando sem trabalho em face da centralização burocratizada do Estado Alemão, da vitória do modelo industrial de produção e da modernização do conjunto societal. “[...] inventam-se a escola e a regulamentação das profissões. Foi à salvação dos setores médios urbanos. Para esses segmentos sociais [...] a escola tem sido uma das instituições mais exitosas do mundo” (SOUZA, 2009, p, 43).

Fundado nessas premissas é que o autor afirma que na história da humanidade a escola tem um caráter intermitente, ao passo que a educação tem caráter permanente. Em analogia, podemos afirmar que na historia da humanidade a família também tem caráter permanente, contudo sem querer adentrar nas suas diversas configurações considerando os seus contornos jurídicos ou socioculturais.

O exporto, consolida-nos o esforço para responder a questão inicialmente posta: Família e Escola: trajetórias que se aproximam. Contudo, sem querer esgotar a discussão, colocamo-nos favorável ao argumento de que o papel da família e da escola são complementares, portanto não  se confundem.  Sendo assim, entendemos por família pessoas próximas com as quais se mantém laços de afetos recíprocos.

Diante das configurações de famílias atuais, e tantas outras que ainda estão por vir, a escola precisa destravar suas práticas fundadas no modelo de família tradicional, abrir suas portas para entender seu presente, pois o mundo fechado não abraça as diversidades. Abraçar as diversidades implica quebrar o vazio moral que acha feio tudo o que não é espelho.


Referências

ALVES, Augusto Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. SP: Perspectiva, 2005.

CASTRO, Maria Cristina d’Avila de. Publicado na Revista nº 2 – 2010, da Ecola de Pais – Seccional de Biguaçu - SC.

SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática dos tempos. RJ: Cortez, 2011.

SOUZA, João Francisco de Souza.  E a educação popular: ¿¿ que ??.Recife: Bagoço, 2009.

BRAYNER, Flávio. Educação e republicanismo - experimentos arendtianos para uma educação melhor. Brasília: Liber, 2008.



[1] Advogado (OAB-PE 18411), Pedagogo e Mestre em Educação – UFPE.
[2] Citação presente na Biblioteca Digital Paulo Freire: www.paulofreire.ufpb.br